Entrevista com Juliani Arimura - Representante LATAM da Foundation FSSC
- Gisele Mutti Capiotto

- 29 de set.
- 6 min de leitura
Com muita gratidão, realizo hoje uma entrevista com Juliani Arimura, Representante LATAM da Foundation FSSC desde dezembro de 2023. Profissional extremamente competente e especialista em certificação de sistemas de gestão, Juliani tem ampla experiência com foco em segurança de alimentos e qualidade.
Sua trajetória inclui atuação como Gerente de Food & Beverage na DNV e Technical Manager na SGS do Brasil. É Engenheira de Alimentos formada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), possui mestrado em Higiene e Legislação de Alimentos e um MBA em Gestão Estratégica e Econômica de Negócios pela Fundação Getúlio Vargas, além de diversas outras qualificações que fortalecem sua expertise.
Mais do que uma profissional altamente capacitada, Juliani é reconhecida por sua disponibilidade e acolhimento, sempre pronta para apoiar as diversas demandas relacionadas à FSSC e contribuir com o desenvolvimento do setor.
Perguntas
Cenário no Brasil
Gisele Mutti Capiotto: Juliani, para começarmos, como você avalia o crescimento do número de empresas certificadas pela FSSC 22000 no Brasil nos últimos anos?
Juliani Arimura: O crescimento do número de empresas certificadas pela FSSC 22000 no Brasil tem sido consistente e bastante expressivo nos últimos anos. Em 2023, o aumento foi de 13,7%, e em 2024, de 8%, o que representa uma média de crescimento anual em torno de 10%.
Esse ritmo demonstra não apenas o fortalecimento da busca por esquemas de segurança de alimentos no país, mas também o reconhecimento da certificação como uma ferramenta estratégica para atender às exigências de clientes, varejistas e mercados internacionais.
Cenário no Mundo
Gisele Mutti Capiotto: E quanto à evolução da certificação em número absoluto, considerando a totalidade das empresas certificadas ao redor do mundo?
Juliani Arimura: Em termos absolutos, a certificação FSSC 22000 tem alcançado uma presença significativa ao redor do mundo, com mais de 39.000 certificados emitidos globalmente. Desses, apenas 828 pertencem a organizações brasileiras, o que ainda representa um número modesto diante da dimensão e do potencial da nossa indústria de alimentos e bebidas.
Para efeito de comparação, a China já conta com 6.380 certificados, e o Japão com 3.462, número que se aproxima do total de certificados em toda a América Latina. Esses dados evidenciam a oportunidade de crescimento no Brasil e na região, especialmente se houver maior conscientização sobre os benefícios estratégicos da certificação
Comparativo Internacional
Gisele Mutti Capiotto: Se compararmos a América Latina com outras regiões, como Europa ou Ásia, em que estágio estamos em termos de adesão e maturidade na certificação?
Juliani Arimura: Ao compararmos a América Latina com outras regiões como Europa e Ásia, ainda estamos em um estágio inicial de adesão e maturidade em relação à certificação FSSC 22000. Até o segundo trimestre de 2025, a América Latina contava com 3.586 organizações certificadas, enquanto a Ásia já havia alcançado 17.681 e a Europa 9.425.
Embora nossa região tenha registrado um crescimento de 7% no último ano, esse avanço ainda é modesto quando comparado aos 13% de crescimento contínuo da Ásia. Isso indica que ainda há um caminho a percorrer para ampliar a adesão e consolidar uma cultura mais madura de segurança de alimentos.
Vale destacar que a FSSC 22000 é o esquema com maior número de certificados na indústria de alimentos e embalagens, o que reforça sua relevância global e a oportunidade de expansão na América Latina.
Representatividade Regional
Juliani Arimura: Dentro da América do Sul, os países que atualmente concentram o maior número de certificações FSSC 22000 são o Brasil, com 828 certificados, e a Argentina, com 439. Em seguida, vêm Chile e Colômbia, com cerca de 160 a 170 certificados cada.
Essa liderança está diretamente relacionada à dimensão e maturidade da indústria de alimentos e bebidas nesses países, bem como à pressão exercida por clientes e redes varejistas — tanto locais quanto internacionais — que demandam altos padrões de segurança de alimentos.
Ainda observamos, em grande parte da região, uma cultura reativa em relação às certificações. Muitas organizações buscam a certificação como resposta a exigências comerciais, e não necessariamente como parte de uma estratégia corporativa ou de um compromisso genuíno com a melhoria contínua.
No caso do Chile, há um fato interessante: trata-se de um país com forte vocação exportadora, especialmente para mercados exigentes como o europeu. Por isso, mesmo antes do lançamento da FSSC 22000 em 2008, muitas empresas chilenas já adotavam outros esquemas de certificação reconhecidos internacionalmente, o que explica que somente agora a FSSC 22000 está crescendo no país.
Setores de Maior Adesão
Gisele Mutti Capiotto: Quais segmentos da cadeia produtiva de alimentos têm mostrado maior adesão à FSSC 22000?
Juliani Arimura: Em primeiro lugar os fabricantes de alimentos e ingredientes e, em segundo, o setor de embalagens.
Principais Desafios
Gisele Mutti Capiotto: Na sua visão, quais são as maiores barreiras para que as empresas conquistem ou mantenham a certificação?
Juliani Arimura: Na minha visão, uma das principais barreiras para que as empresas conquistem ou mantenham a certificação está no nível de compromisso da alta direção. Sem uma liderança genuinamente engajada com os temas de qualidade e segurança de alimentos, é muito difícil estabelecer um sistema de gestão robusto e sustentável a longo prazo.
Outro desafio relevante é a escassez de profissionais com domínio técnico dos requisitos normativos. Esses requisitos vão muito além das legislações básicas de boas práticas — exigem conhecimento aprofundado em avaliação de riscos, APPCC, sistemas de gestão, e temas específicos como gestão de alergênicos, mitigação de fraudes, defesa dos alimentos, monitoramento ambiental, entre outros. Ainda são poucos os profissionais que dominam essas áreas de forma integrada.
Por isso, acredito que compromisso, educação e cultura organizacional são pilares essenciais para ampliar o número de empresas certificadas e garantir a manutenção da certificação de forma consistente.
Atualizações Frequentes
Gisele Mutti Capiotto: As últimas atualizações do esquema FSSC foram relativamente frequentes, como funciona o ciclo de lançamento de requisitos via Ata do BoS e via uma nova versão, uma vez que as duas formas podem gerar novas necessidades de atendimentos pelas empresas certificadas?
Juliani Arimura: As atualizações do esquema FSSC 22000 têm ocorrido com frequência nos últimos anos, e podem ser publicadas de duas formas: por meio da Ata do BoS (Board of Stakeholders) ou através do lançamento de uma nova versão do esquema.
Essas atualizações são motivadas principalmente por:
Alterações nas normas ISO relevantes (como ISO 22000, ISO 22003 e ISO 17021)
Mudanças nos requisitos de benchmarking da GFSI
Demandas específicas das partes interessadas, trazidas pelos membros do BoS da FSSC
A escolha entre publicar uma atualização via Ata do BoS ou lançar uma nova versão depende da complexidade e urgência das mudanças. Atualizações pontuais e mais imediatas são incluídas na Lista do BoS, enquanto alterações mais amplas e estruturais resultam na publicação de uma nova versão do esquema.
Ambas as formas podem gerar novas exigências para as empresas certificadas, que precisam estar atentas e preparadas para adaptar seus sistemas de gestão conforme os prazos estabelecidos.
Relação com o GFSI
Gisele Mutti Capiotto: Considerando o benchmark do GFSI, qual a expectativa da FSSC para emitir a nova versão e a relação com as novas normas ISO22002-X? Existe uma previsão do tempo que as empresas terão para adequarem-se às mudanças?
Juliani Arimura: O time técnico da FSSC já está trabalhando na redação da versão 7, cuja publicação é esperado para o primeiro ou segundo trimestre de 2026. Como nas versões anteriores, o prazo de adequação será de 12 meses após a publicação.
Capacitação e Formação
Gisele Mutti Capiotto: Que tendências você enxerga na capacitação de profissionais para atender aos requisitos da FSSC 22000?
Juliani Arimura: Uma tendência importante na capacitação de profissionais para atender aos requisitos da FSSC 22000 é a ampliação do olhar técnico para uma abordagem mais holística. A FSSC tem demonstrado crescente preocupação em incorporar requisitos relacionados à sustentabilidade, alinhando-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Isso exige que os profissionais não apenas dominem os aspectos tradicionais da segurança de alimentos, mas também compreendam o impacto ambiental e social das operações. A formação técnica precisa evoluir para incluir temas como gestão de recursos, responsabilidade social, e práticas sustentáveis ao longo da cadeia produtiva.
Além disso, o trabalho com outras disciplinas, voltadas ao comportamento humano, liderança, e cultura organizacional serão fundamentais para o desenvolvimento de uma cultura de segurança de alimentos madura.
Essa integração entre segurança de alimentos, sustentabilidade e cultura organizacional será cada vez mais essencial para que os profissionais estejam preparados para implementar sistemas de gestão completos e alinhados com as exigências globais.
Transformação Digital
Gisele Mutti Capiotto: Você já percebe impacto da transformação digital na forma como os requisitos da FSSC 22000 são atendidos e auditados?
Juliani Arimura: Na recente versão da lista de decisão do BoS, publicada em 22/09/2025, temos a inclusão dos requisitos para utilizada da Inteligência Artificial nos processos de certificação pelos Organismos de Certificação. Acredito que estamos iniciando essa jornada e que, seguramente, irá avançar de forma muito rápida nos próximos anos.
Recomendações para Empresas
Gisele Mutti Capiotto: Que conselhos você daria a uma empresa que pretende buscar a certificação FSSC 22000?
Juliani Arimura: O principal conselho que eu daria a uma empresa que pretende buscar a certificação FSSC 22000 é começar por uma autoavaliação utilizando o FSSC Development Program. Essa ferramenta é simples e acessível, e cobre os requisitos fundamentais de um sistema de gestão de segurança de alimentos — incluindo programas de pré-requisitos, APPCC baseado no Codex, e requisitos alinhados ao programa Global Markets da GFSI e à ISO 22000 e FSSC 22000.
Ao atender esses requisitos, a organização obtém uma declaração de conformidade e passa a constar no registro público da FSSC, o que já representa um avanço significativo. Esse reconhecimento inicial pode servir como motivação para seguir com o processo de certificação, ao evidenciar o compromisso da empresa com a segurança de alimentos perante seus clientes e ao abrir portas para novos mercados.




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